26.11.06

Ônibus passam e velhinhas ficam. Todo mundo fazendo sinal e o motorista nem aí, enfiando o pé no acelerador que range. A poeira sobe.
No rio de janeiro as pessoas se olham como em nenhum outro lugar. Quando alguém entra no ônibus todos se viram e pensam “olha esse aí com cabelão”, ou, “quero ver se essa velhinha agüenta dois passos sem que o tranco jogue ela no chão”, e fica torcendo pra que caia, e assim por diante. Agora então, com essa catraca na frente, todos têm bastante tempo pra observar antes que o cobrador libere a roleta. Olhos abertos.
O sol faz dos cariocas fantasmas. Sem conseguir pensar todos vagueiam por Copacabana. "Tudo sob o sol é vaidade e vento que passa". Lençóis brancos dependurados, lençóis que voam. No buzú o sol fica de um lado e os passageiros do outro. Desequilíbrio. No entanto, talvez seja por isso que as pessoas consigam refletir aqui. É só uma curva acentuada que o ônibus vira com certeza.
Sento lá atrás. Adoro ficar no alto, naquele janelão que se abre até o final. Assim me sinto solto. O balanço, a tremedeira me nina enquanto observo tudo o que passa. Tudo uma freqüência enlouquecida, um ruído rosa ou uma interferência perturbadora.
Uma mulher senta. Linda, de vestido vermelho frouxo. Morena típica, braba sorridente. Nossa, as laterais de seus seios. De tarde sempre tenho mais tesão, é gozado isso.
À noite uma mulher passa num ônibus como um flash. Registro na retina. Parece uma marca daquelas que ficam quando olhamos para o sol. Uma ausência. O ônibus passou – eu no bar – ela lá – sumiu – ficou aqui.
Uma pomba preta e branca sobe em direção à luz do poste. Realmente, essa luz amarelada atrai que só.
Venta muito entre o barraco e o mar. Me deixo levar no balanço barulhento. Na curva do barranco o piloto desafia o capitalismo. Alucinado, calor exalado pelo motor. à noite tudo dá voltas. Niemeyer. A tremedeira mexe nos ouvidos. Essa ilusão material, esse cotidiano enfim. Como é bom falar sobre o nada! A rua diz tudo sem saber. Ou será que sabe?
Descubro que o Eclesiastes começa no carnal e terminal na moral. Eu não dou dois passos. Prefiro ficar com o vento, lá atrás do ônibus. E a vaidade, sem querer moralizar, ela me empurra em direção ao topo do vale.
Que curva, que tremor! Os ouvidos coçam. Vejo o ônibus caindo despenhadeiro abaixo. Imaginação.
Não sei como conseguirei entender minha letra do jeito que tá, escrita lá atrás do lotação.
Como é bom falar sobre nada.

6 Comments:

Anonymous Anônimo said...

sempre vejo ele caindo da linha vermelha...

18:17  
Anonymous Anônimo said...

eu tenho a sensação que esse blog é infinito

18:32  
Blogger Unknown said...

realmente é muito bom falar sobre tudo que nada na beira....

fodasso texto!!!!!!

21:48  
Anonymous Anônimo said...

è porque a tarde tarda

22:38  
Anonymous Anônimo said...

Aê cara! muito maneiro! Vim aqui tirar o atraso, nao via o blog desde o do chiclete...Comecei bem! Lucas levou ao extremo a idéia do ônibus. As vezes adoro, mas por vezes odeio esse jeito brasileiro. (rs)Tem dia que tô de mal humor e dá vontade de gritar bem cheio da marra: ei vocês suas velhinhas moralistas e gordas mal-amadas!, estão olhando o que?!! hahahha, muito maneiro o texto hein Lux.. Faz um capítulo no livro da chanchada homenageando o jeitinho brasileiro, fala do onibus e da morena, tu leva jeito pra isso. O cara é um antropólogo tarado! hahahha

09:24  
Anonymous Anônimo said...

No Rio de janeiro as pessoas se olham como em nenhum outro lugar, pode crer...

01:00  

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