31.10.06

a bomba atômica já foi horrorosa
essa forma do caos velada à antiguidade
sessenta anos depois até que ela é jeitosa

o pulso
o pulso
o pulso

o corpo incorporado à onda de calor
a violência estética vitalizante
todo o torpor urbano na agressividade
se foi qualquer pretensa harmonia natural
o compasso cardíaco já tá afeito à cidade
a violência estética que afaga o coletivo

agora um trecho da ode triunfal:

Tenho os lábio secos, ó grandes ruídos modernos,
De vos ouvir demasiadamente de perto,
E arde-me a cabeça de vos querer cantar com um excesso
De expressão de todas as minhas sensações,
Com um excesso contemporâneo de vós, ó maquinas!

fernando pessoa entrega seu corpo como se estivesse numa rave
fernando pessoa nunca esteve numa rave

mesmo que se queira a torre de marfim
há tempo fomos esquecidos na torre de babel

mas como é que disse mesmo o james brown?

people, people
we got to get over
before we get under

Bilhete e telegrama extra oficial de Mussunsis da Mangueiris

Bilhete e telegrama oficial de Mussunzis da Mangueiris



Bem pessoalzis do terceiro Regimento, estou morrendo de saudades de todos vocês. Soube que novos alistamentos foram convocados, tomara que os novos explodam, que eles explodam tão bem como eu explodi.
Sabugo, não se esqueça da Mangueira. Sei que você tem ido ao morris mas tem esquecido de organizar a composição dos sambas. Para que a nossa escola volte a ser primeiris é preciso que você volte a cantar com agentis
Sei que parece loucuris, esse meu escritis, eu que já “morri” há anos. Não se assustem! Aqui onde estou temos tudo do bom e do melhoris. Não tem tecnologia nem modernidade, nós temos que cagar é no matis e limpa o bumbuzis com folha de bananeiris

Quero que vocÊs façam uma missão. Pedi ao chefe aqui de cima para tirarmos daí de baixo o tal de Seu Creison. Um imitãozis que nem chega perto de Mussum da Mangueiris. O trabalho deverá ser feito por médicos, a causa será um infarto. Peço que os soldados de todos os escalões se empenhem nesta empreitada.

Não é inveja da minha parte, se fosse o capitão jamais ordenaria a missão.

Não esqueçam do mér, nóis aqui de cima, vemos tudo, o ritual que nós sempre fizemos não pode ser esquecido.
Sabugo deve lembrar, quando ele ainda era um unicórnio e foi se alistar no terceirobatalhão. Nós do terceiro regimento fizemos com ele o batizado.

Espero que essa nova geração não esqueça : a cada membro que entra faz-se um batismo. Oideal, já que vocês se encontram com tecnologia, é usar de gravações e câmeras, bem como nós fazíamos com “Os Trapalhões”. Só que “o batizado” deverá ser um ritual de iniciação.

É claro que fui eu Mussunzis da Mangeuris que inventei este tipo de ritual.
Como já foi dito, todos têm que passar pelo teste, mesmo que as conseqüências sejam drásticas ou dionisíacas.

Caso o sabugo tenha se esquecido lembro à nova geraçãozis que o batizado consiste em um simples gesto festivo:

Cada “fiel” ou “batizando”, tem que virar um compinho da branquinha, sendo que o essencial é que todos os membros estejam presenciando o ato. Que os membros fiquem em silêncio apenas observando as feições do “fiel” ou “batizando”.

Sabugo agora já deve estar se lembrando do seu batizado. Foi uma ótima festa.Enfim, a comunicação com vocês ainda está dificultada porque ultimamente tem se morrido de outras coisas, não são mais mortes corriqueiras de guerra as mais recorrentes, a fila só aumenta. Um beijão dos beiços gordos e canudis de Mussum da Mangueiris.

30.10.06

(in)pacto

gasolina incadescente
esses olhares
que manobram
o querer ser das palavras

inquieto estigma
da impressão!
expressa o contorno
que não delimita nada

todo
querer
ser tudo
resulta
numa puta
indecisão

palavras
afiam
esfriam

nada que retire
de seu gume
a antítese
vai poder dar prazer

melhor enrolar tudo
convictamente
e num só trago, mandar ver

eu sei, fique bem certo
que é arriscado
ficar queto
mas pode ser bom também
pra que tantas palavras
se bom mesmo é o sexo

Peripécia com argúcia
Num sorriso de esperança
De uma inclinação distraída
Não perca a ampla aposta
De virtuosismo
Nesta afinidade suave
Isso é que é surto coletivo!

As táticas de supervivência:
Refúgio, metamorfose...
Olhe bem, preste atenção!

Nessa agressão gratuita
de coincidências extremas
Carecem de guia, nexo
Provocam vestígios
De uma precipitação calculada

Se chocar no acesso sensato
desvendará na ausência notada
A complicada empreitada de exceder
o silêncio incômodo

Louco é quem não diz
Sobre o véu da crueldade
E sob o dom do equívoco.

É preciso que desconfiemos das palavras,
das frases
Palavras geradoras de imagens e sons;
um texto portador de outro estado
uma redundância
uma passagem
uma transmutação
é uma perda de tempo
Nunca anunciar o que será visto
Nunca contar o que se viu

É preciso que desconfiemos das palavras,
das frases...
Convém definir com precisão
o que se vê
E fazer sentir
De uma maneira indireta
O tempo que passa.

29.10.06

um dente só não se deforma
uma dentada, o aparelho mexe

noite portaria todo dia
mete a foice, torna curvo
endoidece qualquer um:
não pode deitar
não pode sair
o prisioneiro inocente
da fôrma que deforma

como cabeça de eunuco
estranhos crânios
asfixiados pelo aço
num desenho piramidal

fôrma e forma são um só
aberração da ordem
pegadas pregadas: pequenos pés
micro-patas orientais

linda dentada amarrada
todos nós num grande nó
no vai-e-vem do dia-a-dia
enlouquecidos tateamos
sonambuligirando
convulsão teleguiada

o homem é pai do objeto
e é dele bicho criado

um dente só não se deforma
uma dentada, o aparelho mexe

tempo que come cerebro de macaco ou sapo prolixo/macaco guloso



hoje

o futuro é hoje
e numa palavra fica dentro de toda possiblidade
fica possivel na palavra
só possivel se palavra
e passivel de existencia,

hoje.. não só hoje!, somos um bando de macacos.
bom o poeta que é sapo e ao ser lambido vomita-se em pantanos de papel
com petalas nutridas de letra debaixo da lingua..
hoje, desmelinguindo o futuro do sapo
o pantano é o tempo que suja o macaco
que engole o sapo
todo tempo se desmancha, so fica o pantano e as petalas.

sapo que come letra deixa o tempo perdido na pedra.

pedregulho de palavra pinga o sapo no cerebro do macaco

hoje espalhado em possibilidade... dade... dade... dade...

28.10.06

Não entendo

Parece sinal de ocupado, mas não.
Parece que tá chamando também,
mas que chamar que nada.

Faz frio ainda.
Depois de tanta teia limpa,
finalmente o espirro.

Nem lembrava mais da sua delicadeza.
Quando tentava dizer,
sua voz se arrastava
em tosse seca.
Esses prenúncios de término.

Acordei muito tarde,
talvez seja um sinal.
Nada orgânico,
mas um sinal
mesmo que nada anuncie.

cOntOrTo

enquanto um mosquito faz sexo com um ELEFANTE
e enquanto eles estão loucamente d i s t r a í d o s
não me percebem a observar meu próprio cotovelo
que já está tão enrugado e amassado
quanto deve estar aquele mosquito

26.10.06

Enquanto subia a escada pisando no tapete vermelho todo um cerimonial transformava a casa. O chão bege atapetado não era o mesmo. Bege, a cor da ausência. Era noite, mas a janela brilhava e tudo se enchia de um claro-escuro. Era noite mas era dia.
Subindo a escada de tapete vermelho; subindo a escada rangendo; subindo apreensivo a escada viva; não era eu, era outro o que subia. Noite ou dia, o quarto de cima se abria como nunca.
Havia um cheiro acético naquele lugar, parecia ser exalado pelo branco de suas paredes. Uma certa pressão, um tremor, dava a sensação de que o pequeno edifício estava em movimento. Aquilo mais parecia um vagão de trem. Meu corpo não existia e, no entanto, pude me dar o luxo de topar com o pé num pedaço de ferro. Não senti dor, só olhei e vi que tinha um pé. E tudo era uma sensação difusa de calor. E minhas mãos soltavam não suor, mas bolinhas sensório-motoras. Bolinhas transparentes de energia. Se acinzentavam a medida que libertavam-se de mim. E no mais, tudo era cama, uma enorme fofura vermelha e laranja, um sonho que me chamava, um golpe baixo. Deitando nela, sensação de liberdade, deitando, entregando-me, que prazer!, deitando, caindo vertiginosamente, profundamente, no sono, caindo. Aquele não era mais eu. De jeito nenhum, não era.
Ele, o corpo ali estirado. A fofura da cama, os milhões de fios delicados, elásticos, da cama. Nada disso eu sentia, nada mais importava. Tudo eram paredes brancas sem fim.
O quarto parecia agora menor. Lá fora a neblina e a luz amarelada da noite. Umidade sem fim. O barco balançava num ritmo sonolento. De repente goteiras, infiltrações traiçoeiras, linhas formadas pela água nas paredes. Aquilo ia virando um aquário. Eu era apenas Eu. O corpo não era mais meu. As paredes úmidas cada vez mais perto. Havia aquele som grave, uma vibração. Era como se a casa saísse pelo mar afora. Um mar de prédios baixos, todos iguais. Tijolos e umidade. Tudo cinza lá fora, tudo esmagadoramente cinza. Uma certa neblina começava a passar pelas paredes. Elas iam se fechando. No meio, o corpo. Entre quatro paredes, o fogo. E tudo ia assim, sem seguir exatamente, vibrando, sem mover-se para além do balanço, do vai e vem enjoativo. Náusea. Aí veio o teto. A luz de cima era a única coisa que não vibrava.
Pra fugir das paredes o corpo olhou para o alto. Havia nele uma bola central de luz branca, assustadoramente branca, sem ventilador. O tempo, assim, olhando pro teto, o tempo tornou-se expansivo. Não havia ventilador, não havia vento. E um calor insuportável veio no exato instante em que se notava a ausência de vento. Eu era corpo novamente. Distraí-me. Esqueci o teto e me sentei.
Senti com minhas mãos a fofura da neblina. Ela brilhava pra mim, mexia com todas as células de minha pele. Senti, na cama, a expansão do meu corpo que ia, explodia calmamente, levado pelo tempo. Uma experiência e tanto, uma calma explosão. Eu e a neblina, uma relação... éramos um só.
A calmaria do aquário sumiu. Um vento dispersou a névoa e me jogou de volta pra dentro do meu casulo. Minha pele se arrepiava: era a nudez. Amanhecia.
O andar de cima se convertera num quintal cheio de plantinhas secas, ervas daninhas, manjericões sob o céu. Fazia um frio do diabo. Essa é uma cidade baixa e daqui eu vejo a usina de Battersea com suas chaminés brancas. Alguns corvos despontaram voando na primeira claridade da manhã. O frio e o vento me cruzam os braços. Novamente, quando vou me perdendo na paisagem nebulosa, vem a calmaria.
Tudo em volta estático. Mais adiante uma semente amarela caindo. Um amarelo que destoa de todo o cinza. Algo delicado, que lembra uma injeção. No mesmo instante a terra treme. Uma gota de sol, mesmo que lá longe, tem o poder de tudo desestabilizar. A tremedeira fez soar alarmes e mais alarmes. Sirenes e carros de bombeiros, ambulâncias, policias, pessoas nas janelas. Era dia, mas não tinha cara de sê-lo. Um arrepio me correu pela espinha e quando percebi um cogumelo atômico já havia se formado no horizonte. Avermelhado. Lindo. As casas iam se descolando do chão, tornando-se pó, espuma, onda monstruosa de concreto líquido. Uma vertigem sem igual vinha com a propagação de uma luz amarela. Tudo parecia se despregar, tudo subia, mas a sensação era de queda, de uma queda violenta para trás. Que cheiro de queimado.
Acordei num calor infernal. Abrindo as persianas me deparei com um dia lindo, de praia caótica e maresia. Ventava muito. Com o vento vinha a fumaça espessa. Um supermercado pegava fogo. Era a liquidação.
Tentei me lembrar do que sonhei. Escrevi. No final pus o seguinte: “é gozado que essa cidade tão caótica nos remeta aos dias da criação, e que Londres, com sua rainha estabilidade, seja uma cidade perfeita pro apocalipse...”. Acendi um cigarro e saí pra comprar pão.

25.10.06

Fósseis de produtos de limpeza são encontrados entre escombros da civilização...



24.10.06

a sutura do poeta

tô com uma idiossincrasia hoje
percebo que nem a pirlimpsiquice do coltrane
nem ela burla a lei da testa única

o canto da estrutura metálica
o canto lamurioso da estrutura metálica
da estrutura tocada pelo vento
o canto inútil daquela que se quer vento
o canto remetido ao vento

a fumaça do rabinho do carro sai incolor
tenta se disfarçar pra parecer com o ar

a general eletric mentiu pra mim
a general eletric grafou engano na lâmpada
na lâmpada de luz fria
tava escrito que é luz do dia

a lâmpada, se descobrindo enganada
a lâmpada, coitada, agoniza na tremedeira

a água sai fria, mas esquenta devagarinho
o box se torna algo como útero materno

surpreendo a dose de esquizofrenia que carregamos
a dose variável que carregamos no ventre

o projetor que nos lança na tragédia
a luz que sai do projetor trágico
a fumaça delimita a luz do projetor
a fumaça difusa delimita o foco certeiro

o despertador permanece carcereiro
o despertador é carcereiro do círculo causal

a sutura do poeta em cirurgia
a suturorgia do poeta produz cicatriz brilhosa
produz pele nova que se quer vida
que se quer brilho

gente é pra brilhar

23.10.06

Carta Aberta Aos Alistados


Não se sabe ao certo quem eram ou da onde vieram – dizem que o terceiro regimento era um destacamento de um pelotão de fuzilamento, mas isso nunca foi provado. O estandarte cor de sangue, o escudo de armas invertido, os sabres e as cimitarras de bronze nunca foram encontrados, mas o sussurro de um grito de guerra vagueava pelos lábios e os ouvidos de boa vontade. Alguns pesquisadores sugerem que Joana D’Arc, Muçum, Goya e Vicente Celestino eram cavalheiros honorários do Terceiro Regimento.

Sabe-se apenas que o Terceiro Regimento se apodera de um Lan-House em uma locação indefinida, e que lá eles comandam e arquitetam atividades subversivas como rinhas de galo em Buenos Aires, as vaquejadas mais sangrentas de Sergipe e campeonatos de porrinha em Guadalupe.

Aqui encontram-se os diversos evangelhos do Terceiro Regimento. São salmos jogados aos quatro ventos, operetas, notícias de batalhas particulares, relatórios de uma guerra não declarada, canções sobre noites de tocaia. São nômades, vagueiam sem rumo, não fazem prisioneiros. Aqui estão os livros que serão reescritos por todos nós. Unos dilacerados, viscondes e castelos de plástico estão aqui.


Nada é sagrado; tirem os sapatos, fiquem à vontade.