31.12.06

desconfio

cartas sobre a mesa
para que?

se ganhar neste jogo
é perder

a dama só vê utopia
no valete que diz ser rei

cartas sobre a mesa
outra vez?

trunfo de melancolias
para que?

cristal de um só lado
não pode ser

se estão, as cartas marcadas
a carapuça é prêt-à-porter
ser parte sua não
me faz parte
minha boca não
te engole mais
(muito sólido)
já faz tempo eu
nem me lembro
quando das fotografias
intactas

meu gosto amargo
pelas linhas brancas
não se forma mais dos medos
não sinto tua falta
falta
já fazia parte
tanto tempo

o sol se pôs contra
minha vontade
o sol
tanto quanto teu rosto
torto
eu
em outro
me recompus

27.12.06

aquela coisa outra toda

estrelas improváveis deslocam-se conforme o olhar
alguma percepção outra se desvela naquele momento

e se esse fosse meu contato fugaz com a reailidae
e se eu e você vivêssemos alienados da realidade
e se ela surgisse convulsiva numa terça ou quarta

formas coloridas tomam conta do meu firmamento
formas coloridas vão tomando conta da minha vista
vão crescendo a partir de um ponto indefinido

vou me livrando da vontade de tornar inteligível
vou me adentrado numa coisa que não é nem ideograma
vou adentrado numa coisa que me torna inerte

caio de vez na inércia que é um dos tigres da vida
caio no labirinto que não tem jeito de evitar
vejo algum espelho noutro lugar bem diferente

26.12.06

Caneta turbilhada

Agora escrevo
e nada penso,
apenas sinto.

O que corre em minhas mãos
não é racional,
é apenas verdadeiro.

Bom poeta é aquele que sente no papel
e consegue fazer da sua caneta,
o refúgio-comum da vida.

E se perguntarem porque escrevo,
não responderei imediatamente.
E quando for dizer algo,
palavras não sairão da minha boca.

Porque o papel,
não indaga nem questiona.
Apenas escuta
os lamentos de uma caneta turbilhada.

Relato noturno (partes I e II)

A noite tudo encobre tão fagueira,
e os corpos polipodéticos se irmanam.
A lua de amor cheia, alvissareira,
testemunha os amantes que se amam:
“Da amante vê-se o seio – diz-me a lua-
o amante a beija já em seu regaço.
Despi a bela dama agora nua.
Toma-lhe em profundo abraço.
Beija-lhe a vulva, no seio faz carinho.
A mulher alto geme – segue a lua-
De amor a areia faz-se ninho.
(E o amor convulso continua).”
Sussurrante falou-me a lua cheia:
“Os amantes amavam-se na areia.

Na alvorada o Sol presenciou
O sono dos amantes exauridos.
“Eles, ambos nus e sós – o Sol falou –,
dormiam com seus corpos confundidos.
O homem ainda dorme e boceja,
Mas a amante o beija insaciável.
Beija-lhe o falo e a glande sua beija.
Sendo o beijo então irrecusável
o homem em sua fronte faz carinho;
delicada, seu sexo ela traga.
(De novo de amor areia é ninho).
Seus cabelos ele, terno afaga.
Então jorra do fundo de seu ser
o que ela sorve, com gozo e prazer.

22.12.06

Ode à natureza

É posto um espetáculo da natureza
harmonioso como se houvessem havido ensaios
com banda, dançarinos e bolas de encher,
que estufam-se formando diversas cores.

Raios ultravioletas rasgam a pele
e o corpo já faz parte do show.
O ritmo diminui ao cair do Sol,
mas não pára nunca!

A mãe natureza faz espetáculos infinitos
com mil trezentos e cinqüenta e seis
tons de cores diferentes
e nem cobra entrada!

Quando o véu de estrelas
se põe em marcha,
o baixo marca o tempo
e as nuvens apertam o compasso.

Os dançarinos flutuam lançando
piruetas e baquititindungas,
acompanhando o vôo dos pequenos grãos de areia
que se revelam inquietos na escuridão.

frases do filme "Le Petit Soldad" (1963, Godard)

- não sabemos onde por o coração

- tentar matar alguém diversas vezes é como tentar suicidar-se várias vezes

- final do livro de jean cocteau: um cara morre ao se fingir de morto e assim ficção e realidade se fundem

- a vida dá razão às mulheres e a morte aos homens

- fico perdido se não me finjo de perdido

- tenho certeza de que deus não tem ideal

- "a ética é a estética do futuro', essa frase reconcilia esquerda e direita"

- não temos guerra, apenas a forma de nosso corpo e rosto. quem sabe o importante não seja justamente reconhecer este rosto?

- buscamos como a ouro algo no fundo de nosso pensamento. encontramos uma palavra: já é silêncio.

fim

só por um momento

O que não escrevi, calou-me.
O que não fiz, partiu-me.
O que não senti, doeu-se.
O que não vivi, morreu-se.
O que adiei, adeus-se

21.12.06

Os Férmions

um dia eu aprimoro esse texto. eu eliminei alguns parágrafos sobre os bósons e sobre a antimatéria, que também tão elencados no modelo padrão do Gell-mann, modelo que tenta sistematizar os constituintes primordiais da matéria e da energia; achei que tavam muito xinfrim. bom, primeiro eu tenho que conhecer melhor a física quântica...

Sempre me irritou profundamente aquela arrogância deles! Diziam sem a menor cerimônia: É, como você sabe, nós somos as partículas que constituem toda a matéria. Ah, isso me enervava tremendamente! Ainda mais quando sua petulância permitia que acrescentassem: Você não sabe o trabalho que isso dá. Essa famíla dos Férmions era um gente desagradável. Eu era acometido por uma vontade jacobina, uma vontade enorme de metê-los na guilhotina a cada vez que ouvia esse discurso. Eles representavam pra mim aquela nobreza asquerosa que se faz de desentandida. E o pior, pretendiam enganar os outros! Falavam dos privilégios como se fossem um fardo. Com isso eu não podia! Sínicos!

Tive contato com duas ramificações dessa família. Na época eu era vizinho dos Férmions Léptons, e os Férmions Quarks todo fim-de-semana almoçavam na casa deles.
O Léptons ainda tinham algo de agradável. Por não ter tamanho mensurável, por não sofrerem a influência da força gravitacional, pelo menos tinham maior autonomia, me pareciam mais livres. Os Léptons viajavam por conta própria. Claro que só faziam isso por que eram uns privilegiados, mas não me cabe desmerecer essa vontade de conhecer o universo, por que se pudesse eu também viajaria como eles. O Elétron tinha uma carga negativa que me afligia. Também não fazia jus aquele espírito que me encantava na família, porque passava grande parte do tempo girando em torno de um núcleo. O Neutrino sim era uma graça, praticamente não tinha massa, era um tipo bem tranquilo, um pouco alienado também, mas o certo é que ele não tava muito aí pra essa coisa de interagir com a matéria, ficava quase sempre na dele, viajando pelo universo sem colidir com nada. Havia também um outro que não cheguei a conhecer muito bem, o Múon.

Quanto aos Férmions Quarks, esses eu realmente detestava. Sabe aquele tipo totalmente provinciano? Pois eram assim, não lidavam muito bem com a solidão, com o desconhecido, ficavam o tempo todo aprisionados no núcleo. Tinham aquela pompa de de serem também dessa família de partículas que constituem toda a matéria, mas eram fracos de espírito. Gozavam do nome sem a menor preocupação em merecer o título. Uma coisa que eu achava terrível neles era a coisa de todos terem nomes composto: Quark Up, um rapazinho fútil e serelepe; o Quark Down, pseudo-existencialista e profundamente depressivo; Quark Charm, um narcisista irritante; Quark Strange, esse o mais interessante, porque ao menos tinha vontade de causar um questionamento; Quark Top, muito próximo do Quark Charm, um arrogante terrível; Quark Bottom, que eu não conheci muito bem. Reparem que usavam o sobrenome também como nome, numa redundância totalmente descabida. Se apresentavam invariavelmete ostentando o nome completo. Era ridículo: Olá, sou Quark Sei Lá das Quantas Férmions Quark. Faziam sempre questão de lembrar que constituiam o núcleo celular - não sei pra que, porque eram um broncos.

20.12.06

19.12.06

(no hay metrica, carajo!)

.La Muerte del Payazo.

Um rosto borrado, chorando,
Cansado de ver o mundo cantando.
O sonho acabado
No espelho quebrado,
O circo queimado
E o orgulho no chão!

É aquela voz no coro que entra atrasada
Tentando pegar o tempo que já passou,
Mas ela ficou pra trás,
Virando cada vez mais uma lembrança.

Sua piada não agrada e o povo só ri da sua desgraça,
Nem o seu sorriso pintado desfarça
O desconsolo de não ter feito o mundo sorrir!

O rosto borrado, chorando,
Cansado de ver o mundo cantando.
O sonho acabado
No espelho quebrado,
O circo queimado
E o orgulho no chão!


(y morrió!)

18.12.06

16.12.06

O Divã



Relembro a casa com varanda
Muitas flores na janela
Minha mãe lá dentro dela
Me dizia num sorriso
Mas na lágrima um aviso
Pra que eu tivesse cuidado
Na partida pro futuro
Eu ainda era puro
Mas num beijo disse adeus.

Minha casa era modesta mas
eu estava seguro
Não tinha medo de nada
Não tinha medo de escuro
Não temia trovoada
Meus irmãos à minha volta
E meu pai sempre de volta
Trazia o suor no rosto
Nenhum dinheiro no bolso
Mas trazia esperança.

Essas recordações me matam
Essas recordações me matam
Essas recordações me matam
Por isso eu venho aqui.

Relembro bem a festa, o apito
E na multidão um grito
O sangue no linho branco
A paz de quem carregava
Em seus braços quem chorava
E no céu ainda olhava
E encontrava esperança
De um dia tão distante
Pelo menos por instantes
encontrar a paz sonhada.

Essas recordações me matam
Essas recordações me matam
Essas recordações me matam
Por isso eu venho aqui.

Eu venho aqui me deito e falo
Pra você que só escuta
Não entende a minha luta
Afinal, de que me queixo
São problemas superados
Mas o meu passado vive
Em tudo que eu faço agora
Ele está no meu presente
Mas eu apenas desabafo
Confusões da minha mente.

Essas recordações me matam
Essas recordações me matam
Essas recordações me matam
Essas recordações me matam.

Roberto Carlos Braga

David

Esse é o outro.

Se eu soubesse traduzir
Em palavras, o que me diz
Esse seu olhar azul
Que se enruga um pouco
Quando você sorri
Que paira logo acima
Do seu judaico nariz
Se eu pudesse traduzir

Se eu quisesse entender
Esse seu meio sorriso
Que veste nos lábios finos
Tão tortos, tão macios,
Logo antes de me beijar
Esses beijos circulares,
Mornos, lentos,
Aos milhares,
Se eu quisesse entender.

Se eu pudesse explicar
Aos outros e a mim mesma,
Dar um valor ao curinga
Que os anjos possam calcular.
Conto a eles a estória
Do seu batismo por escolha,
Das suas andança loucas,
Se eu pudesse explicar.

Eu conto os grãos de arroz,
Visto as botas espanholas,
Botas de couro de cobra
Que talvez tenhas matado.
Tenho a pulseira indiana,
O baralho de cartas chinesas
Que não me mostra o futuro
Pois ele é tão infinito,
Só conto os grãos de arroz.

Se agora pudesse tê-lo,
Segurar as suas mãos
Cheias de calos, cicatrizes,
Que eu toco sem pensar
Nos pregos que as criaram,
No seu nome de guerreiro,
Porque elas são só minhas,
Se agora pudesse tê-lo.

J.

Gardel & I

Tem um poema que eu postei aqui, o "Tango", que, em uma dessas estranhas manifestações das musas, veio antes em inglês, pra depois brotar no canteiro da última flor do lácio. Ele é mais fluido em português mas, a pedido do Fernando, posto aqui ele como veio ao mundo.

He held the rose
between his white teeth,
I gave him my hand:
"Won’t you tango with me?"
A foxtrot lipstick kiss,
Red as the blood that dripped,
from the corners of my mouth
when I took the rose from his lips.

Gardel moaned in a record
Fluid, soft and hard;
You sure could get in the beat
Of a south-american bard.
We shared a cigarette,
the night was still and hot.
We didnt say much,
whatever we said I forgot

a gente

a gente tende a não gostar da potência negativa.
a gente tá muito acostumado com a coisa da cópula.
a gente não gosta muito de verbalizar o nome.
a gente tem que pensar mais no contexto.
a gente vai até certo ponto.
a gente vai longe mas pára.
a gente não vai além do mito.
a gente não vai muito além da imagem.
a gente não sai muito do paradigma.
a gente tem que ver mais eisenstein.
a gente tem que relaxar mais.
a gente tem que pensar menos no tem que.
a gente podia pensar mais no como se.
a gente tem que botar menos ponto final

14.12.06

no bridges left to burn

and so they say
about those
that red their eyes

"they only think
about themselves
and have no respect
for those nearby"

better pretend to be deaf
than to storm the brains out

nightlight
through fingers
enjoy stillness
on the minds

incredible thing
how actually
reality
is a choice

mirror mirror
on the wall

realites can be
so easily replaced
when you cannot
see through lies

am i the only one
who wonders at all?

too late
raise all hell
why?

corte e golpe

a grande via do sentido
tem em seus planos disfarçados

um futuro que não chega a ser
um passado que não existe mais
ao tempo tudo é normal

inúmeros caminhos deixados abertos
com semblante de já traçados

se a vida corre em circulos
eu já não sei
talvez seja em espiral

o melhor ponto de vista é
ser superficie sensível
ignorando o tédio e o óbvio

a resposta escapa num instante só
e ainda assim paga, toda a espera do fotógrafo

11.12.06

feliz natal para todos

O sofá branco sobre o carpete fofo. Uma porta, uma mesa de vidro. Trincos e mais trincos, uma geladeira sem ruído. O chão acolchoado que abafa tudo. Talheres na mesa. Pratos brilhantes na mesa. Tudo parado piscando, parado brilhando, parado - sem parar e, mesmo assim, nada. O lenço bordado da vovó, o jogo americano bordado, não há de que. Mas diga cá comigo: o cheiro morto da cozinha, o mármore na beira da janela, o espelho do banheiro. Sabonetes, perfumes e até florinhas. Um cheiro de talco, uma casa empoeirada. Vamos andando e vendo o chão piscar, as paredes mudando de cor e piscando, o tapete, a geladeira sem graça e a mesa de vidro sem nada, quem sabe algum livro, sem nada, tudo em volta, como sempre, de maneira sem igual, estático, brilhando, escuro, piscando, colorido, piscando, preto e branco. Uma árvore de natal, único ser vivente, ecoa pela casa. E no mais, um relógio que não soa, um mapa amarelo grudado na parede. O sofá branco sobre o carpete fofo. Uma porta, uma mesa de vidro. Trincos e mais trincos, uma geladeira sem ruído. O chão acolchoado que abafa tudo. Talheres na mesa. Pratos brilhantes na mesa e assim por diante sem fim...

10.12.06

não é só a vida que é uma partida... (clique na imagem pr'ela crescer)

9.12.06

las pequeñas

O poeta é só e o poema é dele. Pode-se escrever sobre guerras e amores, coisas do mundo e coisas da vida, ou ambos. A sua visão é grande, mas somente da pequena fração do mundo que observa. Pequenos somos nós, simples mortais, que não conseguimos observar nem o pequeno mundo que nos cerca. Como entender o mundo se não conseguimos sequer nos entender? Primeiro tentemos saber quem somos, depois vasculharemos por entre as vielas e encontremos pessoas tristes e felizes a dizer quem são. Não conseguirão, por mais que tentem e pensem e pensem e falem. Muito é o tempo que utilizamos para pensar coisas grandes, coisas cheias de sentido, porém, é pouco o tempo que utilizamos para abstrair as coisas pequenas da vida. Gosto das coisas pequenas, não por que elas são pequenas, mas porque são as minhas. As minhas são minhas e de mais ninguém. As de ninguém também são minhas, pelo meu dever de ser e de pensar como poeta. Poeta é aquele que coloca as coisas fora do seu lugar, mas com uma harmonia que faz parecer que as coisas estão em ordem. Não estão. Coisas em ordem são trabalhos para acadêmicos eruditos. Como já dizia Manoel de Barros, o bonito é fazer a palavra delirar, a palavra tem é que pegar delírio, como nos lábios de uma criança. EU ESCUTO A COR DOS PASSARINHOS. Eu sou o que vejo.

8.12.06

.Sonho Colorido De Um Pintor.

Sonhei que pintei minhas noites de amarelo,
lindas estrelas no meu céu eu coloquei.
O feio que era feio virou belo,
até o vento do meu mundo perfumei.

Numa apoteose de poesia,
num conjunto de harmonia,
uma lua roxa para iluminar
as águas cor de rosa do meu mar.

O céu eu pintei de verde que serve pra enxugar
lágrimas,
se um dia precisar.
A dor e a tristeza fiz virar felicidade,
aproveitei a tinta que pintei sinceridade.
Pintei de azul o presente, de branco pintei o futuro,
no meu mundo só tem primavera
o amor eu pintei cinza escuro.
Pra lá eu levei a bondade,
dourada é sua cor,
aboli a falsidade,
o meu povo é incolor.

Na entrada do meu mundo tem um letreiro de luz,
meu mundo não é uma esfera,
tem o formato de cruz!


SALVE TOM ZÉ, ALGUÉM SALVE O TOM ZÉ!

6.12.06

entre hegel e caetano

o homem é pedaço
de beira, fôrma
que já o implica
à múltipla identidade
por razão explícita

longe d'águas que torneiam
sabe de um lar de aventuras
porém vai a vida inteira
sem achar o que procura

imagina à erma quietude
a circunstância do cerco
de maneiras incertas
em parábolas difusas

olha para o céu então
como se respostas
ou a quintessência
pudessem proferir
os inertes deuses
de alegada sapiência

nota que outrora
fascinantes gestos
agora ponderam
enigmas delirantes

nega a possibilidade
da ausência
do direito adquirido
diversificando anseios
em desejos incompreendidos

caberá desejar o desejo
sem confinar a idéia
numa impressão?

o que fazer para
que não haja remorso
em qualquer súbita
vontade silenciada então?

o grito em mão fechada
só institui o dilema
entre magia e razão

entregue à impostura
o espelho
como subterfúgio
das mágoas
é denúncia nunca pronunciada
fonte da própria loucura

será que o
faz de conta
condena a realidade
a tentar fazer juízo
de coisas além da
própria envergadura?

2.12.06